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Alô, torcida do Flamengo, aquele abraço!

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Eu cresci ouvindo (e muitas vezes imitando) o Gilberto Gil, que imagino, dispensa apresentações. Gil é pra mim um dos maiores nomes da música brasileira, tenho vários discos, já assisti a diversos dos seus shows in loco e nutro por ele admiração profunda, por tudo que ele representa.

Por ser natural do Rio de Janeiro, desde pequeno, vi torcedores do Flamengo cantando “Aquele Abraço” de forma efusiva em festas, bares e onde mais a música tocasse. Da mesma maneira que ocorre com “País Tropical”, composta pelo rubro-negro Jorge Ben Jor. Sendo torcedor do Fluminense, eu sempre torci o nariz para essas canções especificamente, afinal, ambas enalteciam o meu maior rival.

Na adolescência, descobri o apreço de Gilberto Gil pelo Fluminense. Foi então que eu fiquei intrigado, como poderia um torcedor Tricolor compor uma música mandando um abraço para a torcida do Flamengo?

Algo não batia. A canção de Jorge Bem Jor se justificava, já que o mesmo sempre deixou clara sua paixão pelo clube de regatas, mas e o Gil?

Alô, alô Realengo… aquele abraço… Alô, torcida do Flamengo… aquele abraço…

Em minhas reflexões, pensava, por que uma música que enaltece as belezas do Rio de Janeiro, que apesar dos pesares ainda continua lindo, precisava falar do Flamengo?

Veja bem, nada contra Realengo, mas poucos lugares no mundo se comparam à beleza do Arpoador. Assim como Cazuza, sempre gostei de vagar na lua (e no sol também) deserta das pedras do Arpoador.

Alô, alô Arpoador… aquele abraço… Alô, torcida TRICOLOR… aquele abraço…

Certo, quem sou eu para querer alterar a composição de um gênio como o Gilberto Gil, mas convenhamos, para um torcedor do Fluminense, a segunda frase cairia como uma luva.

Em 2010, quando o Fluminense sagrou-se Campeão Brasileiro pela terceira vez, Gil esteve no Engenhão, vestido com uma camisa que relembra o primeiro uniforme do Clube, antes deste adotar o verde, branco e grená, e comemorou junto aos jogadores, ainda no gramado. Essa cena acalmou o meu tão sofrido coração tricolor. Só que não parou por aí, em uma mensagem em uma rede social, Gil explicou que “Aquele Abraço” é na verdade um deboche, uma provocação ao Flamengo e não uma exaltação, como eu acreditava. Segundo ele, “um abraço do lado de cá da torcida para o lado de lá”.

Como a música foi lançada em 1969, ano em que o Fluminense sagrou-se campeão carioca, vencendo o Flamengo por 3 a 2, o trecho “… alô, torcida do Flamengo” é geralmente interpretado como uma referência a essa partida. Eu mesmo passei anos acreditando nisso.

No entanto, essa “versão da história” não poderia ser real, ainda que seja bem interessante.

A canção foi gravada entre abril e maio, pouco antes de Gil partir para o exílio, no final de julho. A música foi lançada como single simultaneamente ao álbum “Gilberto Gil”, em agosto de 1969. A final do campeonato carioca aconteceu em 15 de junho de 1969. O músico ainda estava no Brasil, mas a canção, em si, já havia sido composta e gravada.

Assim como aconteceu com Caetano Veloso, pouco antes de ser solto, foi acordado com os militares de que ele poderia realizar dois shows em Salvador para arrecadar fundos para o exílio. Estes foram realizados em 20 e 21 de julho de 1969, no Teatro Castro Alves, em Salvador.

Outra “versão da história” muito comum é de que Gil teria sido preso no batalhão da Escola Militar do Realengo (hoje Cmdo da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada), e por isso o trecho “… alô, alô Realengo“. Fiz uma postagem sobre isso em uma rede social, e o próprio Gilberto Gil me corrigiu, dando luz à questão.

Gil passou dois meses preso em um quartel do DOPS em Deodoro, bairro vizinho a Realengo. Como este queria fazer uma provocação aos militares, que costumavam usar a expressão “aquele abraço” para cumprimentá-lo, o compositor colocou na música o local mais próximo, um bairro do subúrbio do Rio, marginal a uma linha de trem, que além de representar o ambiente onde esteve preso, rimava perfeitamente com “Flamengo”.

A canção tornou-se uma das mais bem sucedidas de sua carreira, sendo a mais executada até hoje e o segundo single mais bem vendido. A música é também a terceira a ficar mais tempo em primeiro lugar das paradas de sucesso no Brasil, tendo ficado dois meses inteiros em primeiro lugar em 1969. A canção só perde para os outros sucessos, “Xodó (Só Quero um Xodó)”, lançada no álbum Cidade do Salvador (Vol. 1), em 1973 e “Não Chores Mais (No Woman, No Cry)”, lançada no álbum Realce em 1979.

Em agosto de 1970, o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro premiou a canção com o Golfinho de Ouro, como melhor música do último ano. Gil recusou o prêmio por meio do artigo “Recuso + Aceito = Receito“, publicado na revista O Pasquim, em 24 de agosto de 1970:

“Se ele (o museu) pensa que com Aquele Abraço eu estava querendo pedir perdão pelo que fizera antes, se enganou. E eu não tenho dúvida de que o museu realmente pensa que Aquele Abraço é samba de penitência pelos pecados cometidos contra “a sagrada música brasileira”. Os pronunciamentos de alguns dos seus membros e as cartas que recebi demonstram isso claramente. O museu continua sendo o mesmo de janeiro, fevereiro e março: tutor do folclore de verão carioca. Eu não tenho porque não recusar o prêmio dado para um samba que eles supõem ter sido feito zelando pela “pureza” da música popular brasileira. Eu não tenho nada com essa pureza. Tenho três LPs gravados aí no Brasil que demonstram isso. E que fique claro para os que cortaram minha onda e minha barba que Aquele Abraço não significa que eu tenha “me regenerado”, que eu tenha me tornado “bom crioulo puxador de samba” como eles querem que sejam todos os negros que realmente “sabem qual é o seu lugar”. Eu não sei qual é o meu e não estou em lugar nenhum; não estou mais servindo a mesa dos senhores brancos e nem estou mais triste na senzala em que eles estão transformando o Brasil. Por isso talvez Deus tenha me tirado de lá e me colocado numa rua fria e vazia onde pelo menos eu possa cantar como o passarinho. As aves daqui não gorjeiam como as de lá, mas ainda gorjeiam.”

Resumindo, a canção é uma espécie de “carta de despedida” do Rio de Janeiro, do período sombrio em que Gil viveu nas mãos dos militares, mas também das muitas moças da favela, da Portela (e do Salgueiro… e da Mangueira… e todo Rio de Janeiro) e também uma provocação de um torcedor do Fluminense ao seu maior rival.

***

A canção “País Tropical” é cantada por meu pai da seguinte forma:

Moro num país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza. Mas que beleza, em fevereiro (em fevereiro), tem carnaval (tem carnaval), eu tenho um fusca e um violão, sou TRICOLOR e tenho uma nega DE RARA BELEZA”.

E foi assim que eu passei a adotar a canção também =)

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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