Com o advento das redes sociais a “cultura do eu” se tornou ainda mais forte, ao ponto de algumas plataformas esconderem o número de “curtidas” que determinada postagem recebe, tentando assim, diminuir problemas de ansiedade e o egocentrismo da nossa geração. Não que isso tenha tido efeito prático, tanto que a rede já habilitou novamente a possibilidade de mostrar para o mundo o quão um perfil é popular. Interessante notar que, a referida rede que inibe o número de likes, é a mesma que só habilita todos os recursos caso um perfil tenha mais de 10 mil seguidores.
Diferente do que pregam os gurus do Marketing, apesar de o engajamento ser o mais relevante, a maioria das pessoas está preocupada mesmo é com o número de seguidores em suas redes sociais. O objetivo não é engajar o público, mas elevar o ego. Muitos perfis sequer compartilham qualquer conteúdo útil, são centenas de influencers, alguns “famosos” somente para um nicho desimportante e outros tantos da grande mídia, que só se preocupam com o culto ao próprio corpo. Mas esse é um assunto ainda mais complexo que não caberia nesse texto.
A grande questão é: até que ponto somos relevantes individualmente em uma organização? Penso que cada ser humano é parte de uma engrenagem, todos têm sua importância, mas sozinhos somos o equivalente a uma peça, ou um parafuso. Temos importância no todo, mas como elemento solitário, somos insignificantes e altamente descartáveis. Sim, eu sei, é difícil analisar a situação por esse prisma, quando somos treinados, desde pequenos, a acreditar que somos muito maiores e relevantes do que realmente somos. A religião predominante no país nos faz acreditar que “Deus nos fez à sua imagem e semelhança”, o resto é acessório: o planeta, o meio ambiente, a fauna, a flora, os elementos e claro… o universo inteiro.
Veja as redes de fast food, há sempre aquele quadro (de gosto duvidoso) com a imagem do funcionário do mês. Não é a equipe do mês, o grupo mais bem-sucedido, ou até a unidade que mais vendeu produtos em toda a franquia, a que melhor atendo o público etc., é apenas o “funcionário do mês”, o individualismo, a premiação do indivíduo e não do coletivo, como se ele, sozinho, fosse capaz de movimentar montanhas. A cultura da meritocracia, a cultura do ego, ou, como eu denomino aqui, a “cultura do eu”.
Certa época, eu trabalhava em uma empresa com muitos funcionários e em franca expansão. Volta e meia as equipes eram trocadas fisicamente no escritório, por uma necessidade de adaptar as novas pessoas que estavam chegando. Era engraçado reparar que muitos ficavam chateados em mudar de baia, de mesa, ou de andar. As posições precisavam ser previamente definidas. Se algo fosse alterado, gerava desconforto. Um certo dia, um companheiro de equipe me disse algo que eu nunca esqueci:
“Não sei o porquê de ficarem tão irritados em serem trocados de lugar. Eu não sou dono de nada aqui, da mesa, do notebook… do lugar. Tudo pertence à empresa, não a mim. Amanhã eu vou embora e tudo isso fica pra trás.”
Refleti bastante sobre isso, e passei a encarar o mundo de forma diferente. Realmente, não havia ou há motivo para se sentir dono de algo, tudo é passageiro. Até as casas que compramos, carros, apetrechos e afins, tudo isso uma hora fica pra trás. Temos apego pelo que não deveríamos. Anos depois, trabalhei em outra empresa, que tinha uma cultura completamente diferente. Tudo era compartilhado: computadores, mesas, arquivos produzidos, tudo. Em menos de três meses, eu já tinha trocado de andar, trabalhado em três máquinas diferentes, e de posição umas cinco vezes. Não me incomodei, tinha aprendido com aquele amigo, que nada daquilo me pertencia, eu havia me livrado da “cultura do eu”.
Na Cartola Editora, por exemplo, trabalhamos para criar uma cultura coletiva, desde sua fundação. A maioria absoluta dos nossos livros são produzidos através de financiamento coletivo, onde damos aos autores uma ideia de que precisamos JUNTOS produzir e vender os livros que fazemos. Não existe “meu livro”, todo livro é um produto construído por um trabalho coletivo, não somente do autor. Existem revisores, capistas, diagramadores, às vezes, tradutores, organizadores, ilustradores, e também o pessoal das gráficas, com mais uma dezena de pessoas que sequer conhecemos pessoalmente.
No caso das antologias, temos obras com mais de trinta autores, todos produzindo e divulgando coletivamente. Os organizadores não são “donos” das antologias, os editores também não. Não queremos a “cultura do eu”, mas a “cultura do nós”. Aqueles que não se enquadram no pensamento coletivo, não poderiam fazer parte da nossa equipe. Acreditamos que um mundo menos desigual só é possível com o pensamento coletivo sendo o predominante.
Faça um esforço em sua vida, elimine a “cultura do eu”.