Todo mundo sabe que o trânsito em São Paulo não é dos melhores. Se somarmos à quantidade de carros que trafegam nas ruas da capital Paulista ao horário do rush, a situação se torna ainda mais complicada. Com chuva então, é quase uma sessão de tortura. E foi nessa situação nada atípica que Rodrigo precisou estar. Não que no Rio de Janeiro não haja também um trânsito caótico, mas para um Carioca, tudo em São Paulo é elevado à máxima potência.
Hospedado no hotel Íbis, na Barra Funda, Rodrigo imaginava que não teria grandes problemas para chegar a FNAC Paulista. Cerca de trinta minutos. Saindo mais cedo não encontraria grandes problemas. Para não correr riscos, estava pronto para deixar o hotel duas horas antes do evento. Sacou o celular e usou um desses aplicativos para chamar um táxi. Em dez minutos o veículo o aguardava na porta do hotel.
– Boa tarde, Doutor. Pra onde vamos?
Rodrigo cumprimentou o taxista e explicou que precisava chegar a FNAC, perguntando qual seria o melhor caminho para evitar o trânsito daquela tarde. Oswaldo, o taxista, disse-lhe as opções:
– Olha Doutor, não tem muito pra onde fugir não. Mas temos três opções, pela Pacaembu, pela Consolação ou pela Rio Branco. Qual o senhor prefere?
O jovem escritor fez aquela cara de intelectual e disse para seguir pela Pacaembu. Na verdade, não fazia ideia de qual caminho deveria seguir, mas sabe como são as coisas, demonstrar desconhecimento do trajeto para um taxista é como colocar uma raposa pra tomar conta do galinheiro. Rodrigo questionou se não teria jogo no Estádio Pacaembu, que ele nem sabia se ficava próximo ao trajeto escolhido, mas pelo nome, era um risco. O taxista explicou que o Corinthians não tinha jogo naquele dia e seguiram pelo caminho indicado.
Não demorou nem cinco minutos e assim que pegaram a Av. Pacaembu, tudo parado. Rodrigo ficou intrigado, não só havia uma quantidade absurda de carros, como podia perceber centenas de camisas e bandeiras verdes pelas ruas.
– Oswaldo, é Oswaldo seu nome né? Que tanta camisa do Palmeiras é essa na rua? Você não disse que não tinha jogo no Pacaembu? – Questionou.
– Ih Doutor, eles não estão indo pro Pacaembu não, estamos perto da estação de metrô da Barra Funda, eles estão indo pro amistoso de inauguração do novo Palestra Itália, dizem que está um brinco o estádio, eu só não digo que é um brinco de outro, porque aí não era do Palmeiras, e sim do Guarani né? – Falou o “engraçadinho” às gargalhadas.
Claro que Rodrigo ficou fulo da vida, se ele sabia que tinha jogo perto e que aquele não era o melhor caminho, porque o infeliz não avisou? Pronto, não queria mais saber de conversa com o taxista.
Mas quem disse que o cliente precisa ter vontade de conversar para que um taxista interaja com ele?
– O que o senhor vai fazer na FNAC? A loja até que é boa, mas eu se fosse o senhor, ia só no final de semana, com essa chuva, só Deus sabe que horas estaremos lá. Enfrentar todo esse trânsito pra comprar o que lá?
– Eu não vou comprar nada, estou indo para o lançamento de um livro. Eu sou escritor e estou fazendo hoje o lançamento aqui em São Paulo. – Explicou.
– Ah sim, o Doutor é escritor, e sobre o que é o livro?
– É um livro de contos, tudo ficção, e é justamente sobre um taxista que trafega pela cidade do Rio de Janeiro e vai juntando suas experiências e contando cada uma no livro. Chama-se “Tá Livre?”. – Rodrigo percebeu que não teria como manter o taxista calado por tanto tempo, então resolveu dar trela pra ele.
– Ih, que da hora Doutor, no próximo livro o senhor podia me colocar nele né? Tenho um monte de história pra contar, o que não falta é histórias nesses anos de trabalho. – Disse animado.
– Imagino que sim, mas como disse, é um livro de ficção e nem tenho a intenção de escrever uma continuação. O taxista do meu livro é fruto da minha imaginação, não é ninguém real entende? – Explicou.
– Pô doutor, que má vontade hein? Eu tenho um monte de história aqui, o senhor escreve fingindo que saiu da sua cabeça e fica “sussa”. Quer ouvir uma legal de quando busquei um cliente lá na Love Story, em frente ao Copam? O cara estava com um “traveco” doutor, muito engraçado.
– Olha… eu estou um pouco nervoso, estamos há horas aqui parados, e já estou vendo que posso me atrasar. Faz o seguinte, fica atento aí no trânsito e me deixa relaxar um pouco.
Claro que Oswaldo ficou chateado, o que custava ouvir suas histórias? “que cara mal humorado”, pensou. Com o tempo a torcida foi dispersando, e o fluxo de carros também foi diminuindo, liberando um pouco o tráfego. A chuva havia aumentado nos últimos minutos, piorando bem a visão do taxista, que agora calado, tentava se concentrar no trânsito.
Assim que eles passaram pelo Elevado Costa e Silva, popularmente conhecido como “Minhocão”, mais um pouco de engarrafamento e, pra piorar, o pneu traseiro do carro furou. Além do engarrafamento e da chuva, Rodrigo agora precisava esperar que Oswaldo trocasse o maldito pneu. E nem adiantava deixar o táxi, porque não se movia uma palha pela avenida. Assim que colocou o estepe, Oswaldo voltou para o táxi, encharcado e com cara de poucos amigos. Já acostumado com a situação, Rodrigo esboçou um sorriso para a situação do taxista, o cara realmente estava numa situação pior que a dele.
É bem verdade que não conhecia muito a cidade, mas aquela área da Av. Paulista lhe era familiar. Rodrigo estava próximo a Augusta, não estava tão distante da FNAC e, quando começou a se animar, descobriu que a avenida estava tomada de manifestantes, todos de preto com cartazes “Não vai ter copa”. Aí sim ele se irritou de vez, como se não bastasse todo o caos da cidade, a chuva, o engarrafamento e torcedores impedindo o tráfego, ainda tinha que aturar “vagabundos” protestando contra uma Copa do Mundo quer todo mundo sabia que ia ter.
Estava decidido, agora seguiria a pé, teria que passar pelo meio da manifestação. Perguntou para Oswaldo quanto havia sido a corrida e só não teve um enfarto porque quem paga esse tipo de despesa é a editora. Despediu-se companheiro de aventuras e correu pela Av. Paulista em direção a FNAC, mesmo atrasado, precisava comparecer ao evento de qualquer jeito. E assim seguiu, correndo debaixo de chuva em meio aos manifestantes até chegar à livraria.
Quando finalmente viu o letreiro da FNAC respirou um pouco mais aliviado, e na base do “dá licença”, conseguiu se aproximar a porta da livraria, que para seu espanto estava fechada. Sabe todos aqueles palavrões que você aprendeu a falar quando criança e seus pais te proibiam de dizer? Todos eles passaram pela cabeça do escritor. Não haveria lançamento, não haveria nada, com a manifestação, os funcionários da loja com receio dos Black Blocs fecharam as portas.
Rodrigo se sentou ao meio fio, que em São Paulo chamam de “guia”, colocou a cabeça por sobre os joelhos e quase chorou. Era muita derrota para um único dia. A chuva que antes só estava servindo para atrapalhar o trânsito, agora era quase uma tempestade, servindo para dispersar até a manifestação. Ele era a cara da derrota, sentado ali no meio da rua, debaixo de uma chuva torrencial e sem saber o que fazer.
– Doutor, quer que eu te leve de volta? – Disse Oswaldo com o táxi parado a sua frente.
Sem a manifestação, o trânsito fluiu e finalmente o pobre do taxista chegou a FNAC. Rodrigo riu, só podia ser piada, mas o que mais poderia fazer senão ir para o hotel e esperar um contato da editora? Levantou-se e assim que entrou no táxi, um novo pedido:
– E aí doutor, vai dizer que agora a gente não tem história pra um novo livro?
Achar um táxi livre em São Paulo nem é tão difícil assim, difícil mesmo era se livrar de Oswaldo.
O conto acima é uma brincadeira com o amigo Rodrigo Salomão, escritor e dramaturgo, que acabou de lançar (de verdade) o livro “Tá Livre?”.
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