Nos últimos dias, as redes sociais foram inundadas de postagens comemorando um vídeo em que uma empresária destrói uma escultura do artista plástico Romero Britto, em uma de suas galerias. Apesar de o incidente ter ocorrido em 2017, o assuntou foi tratado como algo recente, acontecido ontem, e observei o prazer em que as pessoas comemoravam a destruição de uma obra.
Sabemos pouco do incidente, temos apenas uma versão do fato, que os internautas assumiram para si como verdadeiro, afinal, na Internet as coisas funcionam assim: todos escolhem um lado e “cancelam” o outro, e temos para qualquer coisa um herói, e claro, um vilão. Entretanto, como a vida não é binária e nem uma HQ de super-heróis, deveria ser prudente entender o que acontece e ouvir todas as versões.
Sem uma gravação, fica impossível saber se Romero Britto realmente tratou de forma pouco educada os funcionários do restaurante Tapelia, da empresária Madeleine Sánchez. É a versão de um contra a do outro. E também não serei eu a julgar se a atitude da empresária tem ou não uma justificativa plausível. Acho possível que ele tenha tratado mal os funcionários do restaurante, afinal, vemos isso todos os dias, em todos os lugares, e muito provavelmente acontecendo com muitas das pessoas que agora vibram com a atitude da empresária, mas que tratam porteiros e garçons como pessoas menores.
O que mais me incomodou no episódio foi assistir à comemoração efusiva partindo de várias pessoas que conheço. Ao que parece, destruir um objeto de arte passa a ser justificável quando a arte em questão vem de alguém que não gostamos, ou quando não consideramos o seu trabalho “arte”. Eu não simpatizo com o Romero Britto e nem com os seus quadros e esculturas, no geral. Até aí, tudo bem, também não gosto da maioria das coisas que são consideradas como arte em muitas galerias mundo afora. No entanto, a distância é longa entre não simpatizar e comemorar de forma efusiva a destruição de uma de suas criações.
“Mas o Romero Britto fez um quadro homenageando o atual presidente Jair Bolsonaro”, sim, é verdade, até mesmo tirou uma foto com ele. Fez o mesmo anteriormente com a Dilma Rousseff. E daí?
“Ah, mas a arte dele é brega”, pode ser, também não simpatizo, como escrevi antes. Só que eu também não simpatizo com a “cafonice” da música sertaneja que assola o nosso país, e nem por isso torço para que quebrem discos, que sejam cancelados, que o Youtube caia no instante de suas lives horrendas. Não simpatizo também com algumas outras expressões artísticas, de gosto também duvidoso, como as do Pablo Picasso, mas ele era europeu, né?
Em novembro de 1937, militares baianos queimaram, a mando de Getúlio Vargas, centenas de livros de Jorge Amado, José Lins do Rego e outros. Imagino que muitos comemoraram isso, por não gostarem dos autores, porque os autores eram “comunistas” ou porque acreditavam que seus livros não eram arte, e sim “propagandistas do credo vermelho”, termo utilizado na Ditadura Vargas para justificar a queima desses livros.
A ideia não surgiu no Brasil. Em 1933, quatro anos antes, a Alemanha Nazista também destruiu livros que eram considerados “impuros” e “nocivos”, normalmente escritos por judeus, intelectuais nascidos em outros países e por qualquer outro escritor contrário às medidas de extrema direita que tinham por objetivo a “purificação da cultura alemã”.
Se ainda não ficou claro, eu vou traduzir: tentar tolher qualquer manifestação cultural e destruir obras de arte, por não simpatizar com o artista, é coisa de fascista. Não comemore isso, a não ser que você seja um.
Romero Britto é um artista negro, nascido em Pernambuco. Talvez, se os mesmos “traços infantis” fossem feitos por um artista branco, nascido na capital paulistana, consideraríamos sua obra menos cafona, só um pouco, porque se é brasileiro, sempre teremos o pé atrás. Valorizar o trabalho de um artista preto e nordestino, que ficou rico, alcançou sucesso e foi morar nos Estados Unidos é demais.
Eu sei.