A torcida do Fluminense é conhecida como Pó de Arroz. Um apelido pejorativo colocado pelos rivais e abraçado pela aristocrata torcida Tricolor no início do século passado. A história desse jargão é controversa e como acontece em muitos mitos do futebol, tornam-se verdades após serem repetidas seguidas vezes, contadas de forma errônea maculando o que de fato ocorreu.
Em 1914, o América, tradicional clube de futebol do Rio de Janeiro, passava por um momento de crise, perdendo diversos sócios, conselheiros e jogadores. Cerca de doze jogadores do Alvirrubro se transferiram para as Laranjeiras, entre eles os irmãos Carneiro de Mendonça, Fábio, Luiz Henrique e Marcos, mais famosos entre os jogadores, e outros pouco conhecidos, como Carlos Alberto Fonseca Neto.
Carlos Alberto seria apenas mais um jogador de nossa história se não fosse o tom de sua pele. O atleta não chegava a ser negro, era mulato de cabelos crespos, em tempos que o negro não era bem vindo ao futebol, normalmente praticado por clubes e jogadores de famílias ricas, como o Golfe nos dias atuais.
Atuando pelo América, Carlos Alberto já possuía por hábito usar o pó no rosto, assim que terminava de fazer barba. Nunca houve por parte dos rivais qualquer hostilidade ao jogador, primeiro porque não figurava de maneira constante no time principal, e depois porque era jogador do América, que apesar de tradicional, não era propriamente um rival dos grandes times.
Carlos Alberto estreou pelo Fluminense no dia 29 de março de 1914, na vitória por 3 a 0 sobre o São Cristóvão, partida que marcou também a estreia de Marcos Carneiro de Mendonça no gol Tricolor. Os primeiros gols de Carlos Alberto vieram na partida seguinte, na goleada por 8 a 1 no clássico contra o Botafogo, foram três tentos contra o Alvinegro. Até então, já na equipe titular e marcando gols em outros jogos, Carlos Alberto passava despercebido nos gramados. O tom de sua pele não gerava alarde, ainda que destoasse dos demais jogadores por não ser caucasiano.
Em 13 de maio de 1914, O Fluminense enfrentou pela primeira vez o América, com os antigos jogadores alvirrubros em campo. Assim que adentrou ao gramado do Estádio das Laranjeiras, a torcida do clube da Zona Norte começou a chamar o Fluminense de “Pó de Arroz”, uma alusão ao pó que o jogador utilizava no rosto. Mais do que isso, era uma maneira de provocar a aristocrática torcida Tricolor. O Fluminense venceu a partida por 1 a 0, gol de Welfare, mas o apelido caiu nas graças das torcidas adversárias, e sempre que o Fluminense enfrentava o América, o Flamengo e o Botafogo, a torcida era chamada de Pó de Arroz.
Muitas versões dão conta que a diretoria do Fluminense obrigava Carlos Alberto a passar o pó de arroz antes das partidas porque sua pele chamava atenção quando utilizava o uniforme branco e que o jogador não teve grandes oportunidades na equipe devido a sua etnia. A versão não é real, Carlos Alberto já utilizava o pó de arroz antes de chegar ao Clube. De 1911 a 1932, o Fluminense atuou exclusivamente com a camisa Tricolor, não tendo assim a camisa branca para “destoar” da cor de pele de Carlos Alberto, que nem tinha a pele escura, ele era um mulato de pele clara. Além disso, o jogador, enquanto esteve nas Laranjeiras, não foi reserva uma única vez sequer, foi titular em 27 partidas marcando 12 gols com a camisa Tricolor.
O goleiro Marcos Carneiro de Mendonça lembrou o episódio, deixando claro que não houve com Carlos Alberto qualquer ato de racismo por parte do Fluminense.
– A história do pó de arroz é muito simples, havia um rapaz, Carlos Alberto, que veio conosco do América para o Fluminense, ele fazia a barba e ao invés de fazer a barba e deixar a cor natural, ou colocar talco, usava uma coisa branca, que então fazia um contraste muito grande entre uma parte e outra do rosto e os torcedores passaram a chamar o time do Fluminense de “Pó de Arroz”. – Explicou.
Ofensas entre torcedores sempre fez parte do cotidiano do Futebol, o apelido ficou adormecido por alguns anos, sendo novamente gritado pelos rivais por volta de 1925, quando a torcida do Flamengo passou a usar o termo para designar Tricolores que os chamavam de “Pó de Mico” ou “Pó de Carvão”.
Os torcedores do Vasco da Gama, também utilizavam do termo para designar a torcida Tricolor, que respondia chamando os Vascaínos de “Pó da Pérsia”, um remédio para vermes, muito popular na época. É importante ressaltar que Carlos Alberto chegou ao Fluminense um ano antes da fundação da equipe de futebol do Vasco da Gama, que hoje se diz orgulhosa de ter sido a primeira equipe Brasileira a contar com negros em seu plantel, mais uma inverdade que se torna um mito do futebol. A primeira equipe Brasileira a ter um negro em seu elenco foi o Bangu em 1905, quando contrariando as demais equipes do futebol nacional, escalou o jogador Francisco Carregal.
O apelido em tom pejorativo dado pelos rivais foi incorporado pela torcida, que não só adotou o apelido, como passou a levar Pó de Arroz para os estádios, que até hoje é arremessado no instante em que o time adentra o gramado. Na década de 80, o Fluminense tinha um torcedor símbolo, chamado de Careca por alguns e de Pó de Arroz por outros. Guilhermino dos Santos que estava sempre nos estádios, todo vestido de branco e tacando o tradicional talco nos demais torcedores.