Houve uma época em que os dragões dominavam a Terra. Diferente de outras espécies que habitaram o planeta, estes eram dotados de um raciocínio único até então. Viviam em sociedades e criaram grandes cidades. Todas as outras espécies estavam abaixo na cadeia alimentar e evolutiva.
Dragões pensavam serem eternos, viviam por mais de quinhentos anos, ignoravam a importância de outras espécies e a soberba decretou o fim de seu reinado. Diferenças entre as espécies se tornaram diferenças sociais. A luta pelo poder levou os dragões à guerra, e a guerra fez com que seu número diminuísse exponencialmente. Pensavam que o homem era uma espécie inferior e nunca levaram a sério seu grau de inteligência. Com o tempo, viram o planeta mudar de dono e passaram a viver nas sombras para que pudessem sobreviver.
No início, o homem desconhecia a existência da fera e quando a percebeu passou a temê-la. Tudo que o homem desconhece, ele teme, e tudo que teme, destrói. Com os dragões não foi diferente. Em menor número, foram caçados até se tornarem tão raros que viraram verdadeiros troféus para reis e guerreiros. Se antes os caçavam porque os temiam, agora o faziam por desafio. O homem que matava um dragão com suas próprias mãos era considerado o maior dos guerreiros de sua época.
Essa história era passada de geração a geração entre os moradores do Reino de Ennis. Não havia um único habitante que não acreditasse que cada um de seus reis matou com as próprias mãos um dragão para que fosse merecedor do trono. Dómhnal nunca negou a história e Ruadhrí cresceu obstinado em matar um dragão quando chegasse sua hora de ocupar o lugar de seu pai. Passava horas ouvindo as histórias do velho Donncha, que afirmava ter visto com os próprios olhos o instante em que seu pai matou um dos últimos dragões sobre a terra.
O antigo guerreiro afirmava que ainda caminhava sobre o planeta o mais temido dos dragões. Brannagh era pertencente à maior das espécies, gigantesco, em cor vermelha, com estrutura parecida com a de um homem, contendo uma cauda em forma de arpão e grandes asas que lhe davam uma velocidade inacreditável pelos céus, enquanto seu sopro era responsável por destruir cidades inteiras. Ruadhrí mal podia dormir após as histórias que ouvia de Donncha. Não era incomum acordar no meio da madrugada sonhando com o reino sendo destruído pelo poder de fogo de Brannagh.
Os anos passaram e o menino cresceu. Aprendeu com seu pai todos os valores para que pudesse ocupar o trono com valentia e sabedoria. Já não contava com os relatos do velho Donncha e focava apenas em ser o general do exército de Ennis. Posição que não ocuparia pra sempre, pois o rei estava velho e muito doente, a qualquer momento chegaria o instante em que teria de ocupar seu lugar. Passou os últimos anos defendendo o trono usando sua espada. Com Dómhnal enfermo, não faltaram aventureiros tentando assumir sua posição.
Quando a notícia da morte do rei se espalhou, todos já aguardavam o evento de coroação do novo governante. No entanto, o conselho do reino interferiu no processo natural para a sucessão. Segundo um antigo pergaminho, após a morte do rei, o sucessor natural precisaria passar por uma prova incontestável de seu merecimento, antes de assumir o trono. Enquanto ainda houvesse um único dragão vivo, caberia ao sucessor destruí-lo com suas próprias mãos e todos acreditavam que Brannagh ainda habitava uma caverna no alto do monte Croagh.
Para ascender ao trono, Ruadhrí precisava encarar o maior de seus medos: O gigante de fogo. Todo o exército de Ennis contestou a decisão do conselho. Para eles, a existência de Brannagh era apenas uma lenda, ainda que ninguém nos últimos anos tivesse tido a coragem de subir o grande Croagh. Muitos dos ambiciosos plebeus exigiram que o general fosse em busca do dragão. Sabiam que se ele não retornasse, ou ainda, caso demorasse a voltar ao reino, teriam a oportunidade de usurpar o trono. Ruadhrí se apresentou ao conselho e se colocou à disposição do reino para viajar até o monte Croagh e caçar o temido Brannagh.
Foram três dias e três noites até que o guerreiro estivesse empunhando sua espada à frente do velho monte. Usava uma armadura prateada, confeccionada especialmente para aguentar altas temperaturas. Era chegada a hora. Avistou a entrada da única caverna que lá havia, e por todos os lados havia sinais de que algo vivia por ali. No trajeto, ossos de animais e resto de carne eram facilmente avistados, o que aumentava ainda mais o medo e a ansiedade do general. Já havia anoitecido quando Ruadhrí chegou à entrada escura da caverna, carregava a espada em uma das mãos, enquanto a outra segurava uma tocha. Sem ela, pouco poderia enxergar.
A cada passo o coração acelerava, estava em um verdadeiro memorial. Ossadas dos mais diversos guerreiros, crânios, corpos inteiros, soldados e mais soldados que haviam sido devorados pela fera. Estava agora diante do maior temor de sua infância. Os olhos brilhavam no escuro antes mesmo que a claridade pudesse revelar um gigante de mais de vinte metros, pesando toneladas, com uma envergadura assombrosa de suas asas. Ruadhrí empunhou a espada e se preparou para atacar a fera, quando uma labareda se estendeu por toda a caverna, seguida de uma estrondosa gargalhada. O general estava de joelhos, com a espada sobre a cabeça, esperando o exato instante em que seria devorado vivo, numa patética situação de pavor, quando parou de tremer e tentou entender o que estava acontecendo.
— Os anos se passaram e vocês não aprenderam nada. Nem com a própria existência nem com a nossa extinção – disse Brannagh, entre gargalhadas – A soberba humana é tão grande quanto a dos meus irmãos que se foram. Você acha mesmo que sozinho seria capaz de destruir um dragão do meu tamanho? – questionou.
O general se deu conta de que o dragão era muito maior do que ele poderia supor em seus mais intensos pesadelos. Não haveria a menor chance de derrotar Brannagh, ainda que levasse todo o exército de Ennis consigo.
— Como sou tolo – resignou-se Ruadhrí – Acreditei a vida inteira que os heróis de minha infância seriam capazes de, sozinhos, enfrentar feras como você. Devido a minha tolice, jamais assumirei o trono de Ennis, estou fadado a sucumbir diante da minha vaidade – disse o general enquanto ainda de joelhos jogou sua espada ao chão, na espera de ao menos um fim honrado, não iria implorar por sua vida, morreria como um guerreiro.
O grande dragão se aproximou e, com uma de suas grandes garras, ergueu a cabeça do jovem.
— Filho, eu não sou assassino. Por esse monte passaram muitos dos meus, que com medo dos exércitos precisaram matar para sobreviver. Isso foi há séculos. Eu não via um homem há mais de trezentos anos. Estou cansado. Meu fim está próximo e nem tenho mais vontade de seguir, todos os do meu tempo já se foram, e apenas aguardo o dia em que vou me deitar e descansar por toda a eternidade – suspirou.
Ruadhrí pôs-se de pé e lembrou-se de tudo que seu pai havia lhe ensinado para que um dia pudesse ocupar o seu lugar. Um verdadeiro rei é responsável por suas escolhas, e seu único objetivo é defender seu povo, e não lançar-se em guerras inúteis que poderiam tirar a paz e o lar dos seus. Brannagh tinha razão, se mantivesse a postura de seus antepassados, focando exclusivamente em tirar a vida de outros seres, acabaria, por fim, sucumbindo diante de sua mediocridade.
– Obrigado por me deixar partir, Brannagh. Voltarei para o meu povo com a certeza de que não vim aqui para matar um dragão, e sim para ganhar sabedoria com uma das mais antigas e respeitosas criaturas.
Sob o olhar do dragão, o jovem desceu o monte Croagh, com a certeza de que o general que havia chegado até ali dava lugar a um verdadeiro rei, que estava retornando para liderar seu povo.
Amigo, boa noite.
Poderia me informar qual a fonte deste dragão?
É de algum filme ou seria de algum banco de imagens?
Trabalho como designer e gostaria de saber mais informações sobre o layout.
Obrigada!
Bianca, encontrei essa imagem no Google, faz tempo, não me lembro mais de onde peguei, mas fiz uma busca por dragões e dei uma editada na imagem. Abraços.
Amei o texto <3
Obrigado Isis =)
Wow! Parabéns! Conto simplesmente incrível, muito bem contado. Me prendeu do início ao fim! Wow! Parabéns! Onde encontro mais contos de sua autoria?
Olá Monique, aqui mesmo estão todos os meus contos, mas em breve estarão reunidos em um livro. Obrigado.