Quando sua esposa faleceu, João se viu sozinho na árdua tarefa de cuidar e educar seu filho de apenas quatro anos. A vida na favela nunca foi fácil, lá ele cresceu, conheceu Margarida e constituiu sua família, mas o destino pregou mais uma das muitas peças em sua vida.
Lucas era um bom menino, passava o dia na escola enquanto seu pai trabalhava em uma obra no outro canto da cidade. O garoto foi forçado a aprender ainda muito cedo que a vida também lhe sorriria menos. Não tinha mãe e também não tinha outro parente para ajudar em sua criação. No último dia de aula, todas as crianças foram orientadas a escrever uma cartinha para o Papai Noel com seus pedidos para o natal. Lucas contou para o pai que sonhava em ter um carrinho de controle remoto que havia visto em uma vitrine qualquer.
João daria o mundo ao filho se pudesse, mas não podia. O carrinho era caro demais, o que ganhava na obra mal dava para colocar comida em casa. Chegou a procurar um mais barato e até encontrou, mas se para muitos o valor era irrisório, para ele era impossível. Tentou um vale junto ao patrão, para que pudesse comprar um carrinho para o menino, mas teve o pedido negado. Pouco antes da noite de Natal, foi com Lucas ao mercado para comprar um frango que representaria o peru à mesa, a bem verdade, sequer sabia o gosto que a carne de peru tinha. Antes de pegar a van que o deixaria novamente na favela, passou em frente à vitrine de uma das Lojas Americanas e lá estava o carrinho de controle remoto. Os olhos de Lucas brilharam. O menino não escondia a ansiedade pela possibilidade de o Papai Noel presenteá-lo com um e isso partia o coração de João.
Ao colocar o menino para dormir, João ouviu de seu filho:
– Papai, será que o Papai Noel vai demorar muito para chegar amanhã? Ele só vai passar a meia noite? – indagou.
João sabia que o Papai Noel não passaria, porque nunca passou para visita-lo também, ainda que o esperasse ano após ano, acreditando que se perdia pelos becos da favela e, só por isso não chegava com seu presente. Sonhava com um futuro diferente para seu filho, mas via esse sonho se esvaindo. Nunca fora capaz de dar a ele mais do que seu próprio pai havia lhe dado.
Para muitos, a véspera de natal já era feriado, mas não para João, esse tinha de ficar na obra até às 18h. Durante o almoço, enquanto comia o que quase diariamente havia em sua marmita: arroz, feijão e ovo, João pensava no menino e na tristeza que ele teria ao não receber seu presente. Em seus aniversários, Lucas também não ganhava presente de ninguém, mas entendia, afinal era uma criança pobre, contudo, no natal era diferente, para ele, o Papai Noel sempre aparecia, como dizia à música que aprendeu na escola “seja rico, ou seja pobre, o velhinho sempre vem”.
João deixou a obra determinado a conseguir um carrinho daquele para o filho. A vida era muito injusta, já não tinha mais lágrimas para chorar suas tantas dores, mas a tristeza do filho era algo que estraçalhava seu coração. Mas o que fazer? Assaltar alguém pela rua? Ele não teria coragem para tanto e pensava que as pessoas também não tinham que sofrer por isso. Entrou em uma loja de departamento e foi para a sessão de brinquedos masculinos. Avistou o carrinho que o menino desejava, era realmente caro demais, mas havia um menor, mais barato. O dono de uma loja daquele tamanho nem sentiria falta se ele pegasse um daqueles. João olhou para o lado e não viu ninguém, não percebeu também câmeras sobre ele. Abriu a caixa do brinquedo e colocou dentro da calça o carrinho e o controle, pensando que sairia despercebido da loja.
Quando estava prestes a deixar o estabelecimento, ouviu o segurança gritando: – Ô você aí! O que é isso que tá levando na calça? – João não pensou duas vezes, correu o máximo que podia para fugir do flagrante. As pessoas que estavam no mesmo espaço começaram a gritar a tradicional “pega ladrão” e algumas tentavam pará-lo. Ao atravessar a avenida em frente à loja, João não se atentou aos veículos que por lá passavam e foi pego em cheio por um ônibus que não teve tempo de desviar. O segurança enfim o alcançou, mas não havia mais nada a ser feito, o sangue que tomava conta do asfalto denunciava o fim daquele pai que sonhava em dar um presente de natal ao seu filho.
O menino esperou durante toda a noite, mas seu pai não voltou do trabalho, adormeceu no chão da varanda a espera de seu herói. O Papai Noel não só não passou para deixar o presente, como também não trouxe João para comemorar com ele. Lucas entendeu que o bom velhinho agia exatamente como todo mundo que ele conhecia e também escolhia aqueles que mereciam ser presenteados na noite de natal.