Kindle paperwhite: Prático como você

João e o Menino

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Naquele fim de tarde, o sol já havia baixado quando João decidiu sair e caminhar um pouco pela feira da Praça São Salvador. Os anos haviam passado e tinha por hábito caminhar pelas ruas das Laranjeiras até o bairro do Flamengo para não enrijecer os músculos de vez. Aquele senhor era muito bem quisto pelas pessoas do bairro, todos o conheciam e o cumprimentavam por onde passava. Não tinha herdeiros, é verdade, mas não era sozinho, vivia com a esposa e um sobrinho-neto que juntos tomaram a responsabilidade de criar como filho.

O hábito de caminhar era diário, e sempre conversava com alguns transeuntes, donos de bancas de jornal, e amigos que encontrava pelo caminho. Fumava um cigarro e passava o fim da tarde em uma prosa que parecia não ter fim. Naquela sexta-feira algo o chamou a atenção. Enquanto conversava com um dos feirantes, um menino o puxou pela camisa. João olhou pra baixo, e viu um garoto de cerca de dez anos, negro, de olhar expressivo e lábios grossos. Não era um morador de rua, contudo, não parecia ser dos mais abastados. O menino perguntou ao velho João:

– É verdade tudo aquilo que dizem sobre o senhor? – João olhou com um ar de espanto e esperou o menino completar. – É verdade que o senhor foi o maior atleta do mundo? Que foi campeão em tudo? – Perguntou-lhe o negrinho.

João sorriu para o menino e sem dar-lhe uma resposta seguiu por entre as barraquinhas da feira da São Salvador. O menino não insistiu com a pergunta, e viu aquele senhor sumir ao longe. Naquela noite, durante o jantar, João conversou com a esposa sobre o ocorrido. Dona Lindalva achou engraçada a pergunta do menino e não entendeu o porquê do marido não ter respondido as questões do garoto.

Os dias seguiram normalmente, até que na sexta-feira seguinte, João voltou à feira, como fazia em todas as semanas. Parou na barraca de frutas e enquanto degustava um suculento pedaço de melancia, que jurava ter adoçante de tão doce que estava, viu o mesmo menino surgir novamente à sua frente como que num passe de mágica.

– Ainda não entendo, como pode ser o senhor ter sido um atleta? O senhor não tem tamanho e nem físico pra enfrentar um jogador grande e forte. – Disse o menino.

João mais uma vez ignorou a pergunta, dessa vez sem sorrisos, demonstrando até certa irritação com a petulância do garoto. Mas sem esboçar uma única palavra, voltou a seguir seu caminho, sem olhar pra trás mais uma vez. A situação inusitada se tornou um hábito, sempre que chegava a feira, João era interpelado pelo menino que fazia as mesmas perguntas sem obter qualquer resposta. João não demonstrava sentimento de ofensa, tampouco qualquer carisma pelo garoto, ou apreço às suas perguntas.

Em dias de semana, que não havia feira, João não se encaminhava em direção à Praça São Salvador, se limitava a percorrer as ruas do bairro das Laranjeiras. Enquanto conversava em frente a uma banca de jornal, na esquina da Rua Pinheiro Machado, com a Rua das Laranjeiras, sentiu alguém o cutucando por trás. Ao se virar viu novamente o insistente menino. Os amigos que o rodeavam trataram por enxotar o garoto, mas João não permitiu que o expulsassem dali, dirigindo-se pela primeira vez ao garoto.

– Já sei o que você quer, vai perguntar mais uma vez se eu fui mesmo tudo aquilo que dizem ao meu respeito e depois vai questionar que não tenho físico de atleta, não é isso?  – O menino acenou com a cabeça em sinal de negativo, dizendo em seguida. – O senhor compra uma revista pra mim?

João se surpreendeu mais uma vez. Nunca quis nada, só o questionava sobre o passado, e quando lhe dera a oportunidade de falar, lhe pediu uma revista. Ainda espantado, João disse ao menino que escolhesse a revista que queria que ele lhe compraria. O garoto escolheu um almanaque sobre futebol, que contava a história das seleções brasileiras. O menino sequer agradeceu e correu em direção à Rua Ipiranga com a revista em mãos.

O tempo passou e João não mais fora importunado pelo menino. Alguns meses depois, seguia em sua peregrinação pela feira da Praça São Salvador quando avistou o garoto mais uma vez, um pouco mais crescido que no último encontro. Mal o percebeu e João já perguntou:

– O que você quer dessa vez? Vai me perguntar novamente se em minha mocidade fui um atleta? Vai afirmar que não tenho porte físico ou dizer que não tenho altura para tal?

O menino não era de dar muitas voltas e rapidamente fez um pedido:

 – O senhor assina seu nome aqui pra mim? – Disse estendendo a revista que havia comprado para ele tempos atrás.

João ficou intrigado com a situação e questionou ao menino: – Há tanto tempo você me segue, porque não pediu um autógrafo de uma vez? Por que tantas perguntas? Você não vive questionando se fui mesmo um atleta, se joguei mesmo futebol. – O menino como sempre respondeu de bate e pronto. – Aqui diz que você jogou a primeira Copa do Mundo, que fez o primeiro gol do Brasil, agora eu sei que tudo que falavam de você era verdade!

Emocionado, João lhe sorriu com os olhos cheios de lágrimas, autografou a revista, bem na fotografia que registrava o primeiro gol do Brasil em uma Copa do Mundo. E ao devolvê-la questionou ao garoto:

– Por que demorou tanto tempo para me pedir este autógrafo? Não pode ser por vergonha, afinal você não é nada acanhado.

O menino sorriu ao ver o autógrafo na revista e respondeu em um tom sereno:

– É que eu não tinha dinheiro para comprar a revista e nem um lugar melhor para guardar a sua assinatura. Oba!

O menino saiu comemorando vitorioso a aquisição daquele “troféu”, e João que nunca mais encontrou com o garoto, jamais soube sequer o nome de seu admirador.


João, o personagem principal deste conto, trata-se de João Coelho Netto, o Preguinho, atleta do Fluminense, que marcou o primeiro gol do Brasil em uma Copa do Mundo. A história deste conto foi retratada pelo mesmo, no livro “Preguinho: Confissões de um Gigante” ao jornalista Waldir Barbosa.

Para saber mais sobre a carreira de um dos maiores atletas do Mundo, campeão no Futebol e em mais de oito modalidades esportivas clique AQUI.

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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