Kindle paperwhite: Prático como você

De volta ao País das Maravilhas

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Alice conheceu Daniel na faculdade. Era um tempo de sonhos e desejos bem diferentes dos dias atuais. Ela era quase uma menina, ainda tinha vergonha de seu corpo e descobria os pequenos prazeres da vida adulta. Assim que viu o rapaz pela primeira vez, achou divertido o jeito daquele “moleque”, extrovertido, brincalhão e um ar de que não estava nem aí para a vida, também pudera, não tinha nem vinte anos. Usava um macacão de jeans, com uma camiseta branca e tênis, quase um adolescente.

Não demorou muito para que trocassem as primeiras palavras e se tornassem amigos. Ele também se encantou por Alice, seu jeito de menina, muito magrinha, sorriso largo, cabelos acima dos ombros, calça jeans e camiseta na altura dos joelhos. Alice parecia um menino grunge de Seattle na década de 1990. Com estilos parecidos e fazendo parte do mesmo grupo de amigos, acabaram por se tornar muito próximos, estavam nas mesmas festas, nos mesmos churrascos, até que um dia, Alice cedeu aos encantos de Daniel.

Passaram a estar sempre juntos, passeavam de mãos dadas pelo campus, iam juntos à praia, e mantinham aquele ar de “não temos compromisso”, ainda que todos soubessem que eles eram de fato namorados. Ficaram algum tempo juntos, até que suas diferenças tornaram inviável a continuidade daquele relacionamento. Permaneciam por perto, ainda eram amigos, ainda trocavam olhares, mas agora sem os beijos de outrora, e assim permaneceram até o dia em que Alice largou a faculdade para sair em busca de novos desafios.

Os anos se passaram, Daniel se formou e nunca mais teve notícias de Alice. Tinha pouco contato com os antigos amigos de faculdade. Ele viveu outras muitas aventuras, mas nunca esqueceu Alice. A menina agora mulher, também viveu sonhos diferentes, se formou em outra faculdade e seguiu a vida.

Um dia, quando menos esperava, Alice encontrou o perfil de Daniel em uma rede social, seu largo sorriso estava de volta. Havia terminado há pouco um relacionamento de anos, e coincidentemente, reencontrou ao acaso um grande amigo do passado. Ele morava em outro Estado, em nada parecia o estudante que conhecera. Trocaram algumas mensagens e combinaram um encontro nas próximas semanas. Daniel estaria na cidade para uma viagem de negócios.

Alice sabia que o encontro não passaria de um almoço entre velhos amigos, Daniel estava casado, com filhos, e vivia um relacionamento aparentemente estável. Mas como explicar o coração acelerado só de imaginar que em poucas horas estaria com ele novamente? Depois de tanto tempo, porque ele ainda mexia com ela daquele jeito?

Um almoço durante a semana não era exatamente a melhor oportunidade para se vestir apropriadamente para algo tão esperado. Tentou se arrumar da melhor maneira que podia e partiu ao encontro de Daniel. Atrasou-se cerca de vinte minutos e quando chegou ao restaurante, ele já se encontrava por lá. Definitivamente não era mais o rapaz por quem ela havia se apaixonado anos antes. O sorriso ainda era o mesmo, mas o rosto de menino não mais existia, a barba que usava dava a conotação de um homem mais velho, acompanhada do cabelo levemente grisalho, bem diferente das longas madeixas que conheceu um dia.

Conversaram durante uma hora. Falaram de seus relacionamentos ao longo do tempo, dos que deram errado e dos que deram certo. Ele falou de sua família, de seus filhos e da vida que levava longe de onde cresceu. Daniel percebia a troca velada de olhares. A boca seca de Alice denunciava o nervosismo por estar em sua presença. Ele ficaria mais uns dias na cidade e combinaram um jantar para a noite seguinte. Trocaram abraços e seguiram para seus compromissos.

Finalmente encontraram-se novamente, foram jantar em um bom restaurante em um bairro próximo ao hotel onde Daniel se encontrava hospedado. Já sem a necessidade de se preocupar com o tempo, comeram uma massa e tomaram vinho. Beberam umas duas garrafas e seguiram caminhando a pé pelas ruas. Alice planejava deixar Daniel na porta do hotel e pegar um táxi para casa.

Ao se despedirem, trocaram dois beijinhos e não se atreveram a dar um abraço mais demorado. Ela se virou e caminhou em direção ao ponto de táxi.

– Espera Alice. Eu preciso te dizer uma coisa. Durante todos esses anos, não houve um único dia em que eu não tenha pensado em você. Sonhei em te ver novamente, sonhei com seu abraço e com seus beijos. Foi muito difícil pra mim quando você se foi, eu não queria que tivesse ido, eu era perdidamente apaixonado por você. Não podia te deixar partir sem te dizer isso.

Alice abriu um sorriso e voltou, olhou com ternura para Daniel, acariciou o seu rosto e sem pensar em mais nada, beijou-o novamente, algo que não fazia há muitos anos. Os lábios se tocaram e ela não podia medir e nem mesmo controlar o que estava acontecendo. As mãos se pegando com força, as bocas se sugando com sofreguidão, a barba roçando em seu rosto. Quando percebeu, já estava nua no quarto do hotel, ouvindo os devaneios que ele sussurrava em seu ouvido. Não voltou pra casa, adormeceu em seu peito, enquanto ele recitava poesias e acariciava o seu corpo.

Acordou assustada na manhã seguinte, não deveria ter adormecido, precisava trabalhar. Procurou por Daniel, mas ele não se encontrava mais no quarto. Havia saído para algumas reuniões, e deixado um bilhete ao seu lado:

“Eu volto pra você, me espera”.

Leia a Parte 2 e a Parte 3 desta trilogia de contos.

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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