Não escondo de ninguém minha filosofia socialista, e menos ainda minha crença e postura pelo que é correto. Sei o quão é difícil ser honesto em um mundo em que o normal é o inverso. É uma luta árdua para tentar ser diferente em um País em que a corrupção me parece estar no DNA. Cresci em um lar em que os valores sempre me foram ensinados de forma que o que é correto é indubitável, onde não existe um “jeitinho” para justificar o errado como se fosse meio errado, quase meio certo.
No lar em que cresci me ensinaram a lutar pelos meus direitos, a defender o que é melhor para todos e não para alguns, e que pobre não tem escolha, senão estudar. E eu estudei, e ainda estudo, e estudo muito, porque essa é pra mim a única alternativa para tentar chegar ao mesmo patamar que outros nesse País, que tiveram a vida ganha desde cedo. E que fique claro, não é nenhum demérito ser rico, ou da elite desse País, menos ainda ter nascido nessa condição. Gostaria que o Brasil fosse elite do mundo, onde todos têm totais condições de viver em uma situação mais abastada, iguais condições desde que nasceram para ser o que quiserem, e que não tivéssemos essas castas veladas, onde algumas profissões só são possíveis para os que têm condições financeiras para tal.
Tirei meu título de eleitor uma semana após completar dezesseis anos. Meu pai, militante e filiado ao Partido dos Trabalhadores, sempre me mostrou que o melhor caminho para tentar mudar as coisas era as urnas. Ao final de 2002 estava com ele, com minha mãe e irmã, na Cinelândia, tremulando uma bandeira vermelha, e comemorando a chegada do Lula ao governo. Alguns anos depois vieram tentativas de segurar CPIs, e a gestão começou a me desagradar e, ao final do primeiro mandato, o mensalão. Ali eu esperava uma única postura do PT, a expulsão desses membros, se não fosse durante a denúncia, que fosse após a condenação, sendo ela política ou não, justa ou não. No final, eles foram condenados e presos, mas ninguém foi expulso.
A minha indignação foi clara, e decidi ali que não mais votaria em ninguém. Decidi que não valia a pena e, toda minha filosofia de cidadania havia chegado ao fim. O Brasil não era mais um problema meu, deveria unicamente me preocupar comigo, com a minha filha, estudar, trabalhar, ganhar mais e não me preocupar com o próximo, afinal “o Brasil não tem jeito”. Não reelegi o Lula, ainda que não quisesse seu adversário, também não elegi a Dilma. Não votei mais para deputados, governadores, prefeitos. Aproveitei-me do fato de morar em outro Estado e não transferi meu título. Passei a justificar o voto e segui em frente.
A opção de não mais exercer cidadania me gerava conflitos. Uma pessoa com a minha filosofia de vida, não combina com a abstenção, com o egoísmo. Até o meio do ano ainda estava convicto em não voltar a participar do processo eleitoral. Mas as manifestações nas redes sociais foram aos poucos devolvendo minha visão. Tem gente que não gosta de “pobre”, que não gosta de ciclovia, que não gosta de transporte público, menos ainda dessa coisa de corredor exclusivo pra ônibus, dessa coisa de “aeroporto virar rodoviária”, afinal, qual o glamour de ir à França, se até o seu porteiro vai?
Pois essa gente é contra médico estrangeiro que ajuda a população, mas não é contra médico “Made in Brazil” que forja o ponto no serviço público, para atender em clínicas particulares da “Zona Sul”. Essa gente chama médico cubano de escravo, mas finge que não vê o trabalho escravo das domésticas em suas casas, não tem vergonha de explorar mão de obra haitiana e nem boliviana, aqui na nossa cara. Essa gente não tem pudor em criticar corrupção, quando finge que não viu mensalão para reeleição, aeroportos construídos com dinheiro público em terra de “parentes”, não viu o esquema de propina no metrô de São Paulo… Não viram nada, para eles, esse tipo de corrupção vira pó. Falando em pó, nem meia tonelada em Minas eles veem, porque só veem o que lhes interessa.
Esse tipo de gente que nunca viu a fome de perto, não se importa se o Brasil não está mais no mapa da fome mundial da ONU. Esse tipo de gente que nunca esteve no Nordeste, a não ser para explorar os recursos naturais e a mão de obra, onde tudo é “baratinho”, não se preocupa com políticas assistenciais que deixa esse povo ainda mais bonito. Aliás, esse tipo de gente só se lembra do nordestino quando precisa de alguém para tratar como “desinformado, burro, ignorante e vagabundo”, ou quaisquer outros adjetivos pejorativos para um povo trabalhador e sofrido, que talvez não tenha tido a mesma sorte que aqueles que vão as redes para difama-los. Talvez devessem saber, que pequenos nordestinos, como minha filha, tem um ensino de melhor qualidade que o dos “pequenos futuros doutores sudestinos”, porque o Brasil é muito maior que seu umbigo.
Esse tipo de gente me fez lembrar, na mão de quem esse País esteve por muitos anos, e me mostrou que minha ausência no processo eleitoral corrobora para que esse tipo de gente volte tratar o povo brasileiro como um povo formado por “vagabundos”. Não meus caros, eu não corroboro com a corrupção de tipo algum, eu não sou “Petralha”, e menos ainda tenho algum interesse de morar em Cuba, assim como imagino, ninguém tenha interesse em morar no Haiti, um País capitalista. Esse tipo de gente me devolveu a vontade de lutar para que todos tenham um País melhor, para que milhões de pessoas que hoje sabem como é viver com um mínimo de dignidade, continuem tendo esse mínimo, ao menos, que é melhor que o nada que antes lhes era oferecido. Esse tipo de gente independe de voto, do candidato que apoiam no momento, votar diferente de mim nesta eleição, não te faz necessariamente um membro desse grupo que me enoja. O resultado das eleições presidenciais nos próximos dias, pouco importa agora, pois esse tipo de gente já me devolveu a cidadania.
Deixo aqui então, meu agradecimento: Aos cretinos, meu muito obrigado.
Veja no vídeo abaixo um pouco desse tipo de gente: