Era noite de autógrafos de seu novo livro. Júlio observou de longe uma morena de corpo esguio, que segurava um dos exemplares e conversava com um grupo de pessoas, enquanto bebia uma taça de champanhe. Ao perceber que era observada pelo escritor, Claudia seguiu em sua direção e pediu um autógrafo.
Júlio assinou o livro com a seguinte dedicatória: “Os olhos perseguem aquilo que percebem”
Ela lhe sorriu e pegou o livro, sem entender ao certo o contexto da frase. Ao se virar para dar espaço à próxima pessoa na fila, ouviu Júlio lhe dizer: “Mormaço”. Sorriu mais uma vez e seguiu sem entender o que ele queria dizer.
Claudia nunca esqueceu as palavras e as frases de Júlio, passou a observá-lo de longe. Lia matérias sobre ele, via suas fotos e postagens nas redes sociais. Comprou outros livros do autor. Apaixonou-se por sua obra.
Dois anos depois, recebeu um convite da editora para a apresentação do novo livro de Júlio, cujo título era: “Mormaço”.
Ele havia lhe contado uma exclusividade? O título de seu próximo livro? Correu a livraria mais próxima e o encontrou já a venda. Adquiriu um exemplar e foi pra casa para tentar entender o porquê de tudo.
O livro contava a história de Helena, uma mulher com as mesmas características de Claudia. Alta, morena, cabelos longos e negros. Helena despertava uma tórrida e platônica paixão em um poeta da cidade, que sempre a admirava à distância. O romance detalhava a personagem, em um quase retrato falado de Claudia, e enfatizava a admiração do poeta pelo seu olhar. Intenso, perdido, com os olhos quase cerrados, que ele apelidou de “mormaço”.
Claudia se levantou e pegou novamente o convite da editora. Precisava saber a data do lançamento do livro, precisava encontrar Júlio mais uma vez, ela tinha entendido, ele era o poeta e ela era Helena.
O lançamento aconteceria em quinze minutos, não teria muito tempo para tentar chegar. Correu pelas ruas e pegou um taxi. Com a forte chuva o trânsito estava caótico, não chegaria. No rádio tocava “Creep”, do Radiohead. Uma angústia lhe tomava: O som alto, as pessoas na rua, o tempo que ela não tinha.
Claudia chegou ao lançamento e não havia mais nada. A pequena livraria estava vazia. Ela, encharcada, observou o cenário, e viu que ali era mais que uma loja de livros, era diferente. Uma placa informava que o estabelecimento estava fechado. Forçou a maçaneta e percebeu que a porta estava aberta. Caminhou por entre os livros e observou uma luz acesa ao final das estantes.
Uma porta entreaberta. Olhou pela fresta e viu seu escritor. Júlio estava sentado, com uma das mãos por sobre a testa e a outra segurando uma lapiseira que usava para escrever em uma folha de papel ofício.
O que dizer? Se aproximar? Dar meia volta e partir?
Permaneceu ali, imóvel, enquanto o observava escrevendo. Lembrou-se da música que ouvia no Taxi, “…I wish I was special, You’re so very special…”. Ela queria ser para ele tão especial quanto ele era pra ela.
Estaria tendo alucinações? Ela era mesmo a Helena do livro ou desejava sê-la?
Lembrou-se de uma das passagens em que o poeta dizia que sempre que olhava para Helena, a despia imaginando seu corpo nu, seus seios, sua pele morena. Tirou da bolsa uma caneta e uma folha do pequeno caderno que levava consigo.
Observou Júlio por mais um instante e antes de ir embora usou um alfinete para pregar o bilhete na porta:
Eu me exponho naquilo que escrevo. A minha nudez não está quando tiro a roupa, está em minhas palavras.
Beijos, Helena.
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Muito bom meu filho. Quando será o lançamento do próximo livro do Júlio?